A comunhão cósmica do nosso planeta terreno ocorre na sexta-feira santa e no sábado da Aleluia, antes mesmo da vitória pascal completa. Eis porque o corpo fisicamente real e o sangue fisicamente real do homem Jesus de Nazaré foi o medicamento que a terra recebeu. O fluxo sacramental que daí se derrama pela humanidade parte da Páscoa.
Foi o erro do culto de relíquia medieval, nada mais do que uma relíquia de hábitos e crenças pré-cristãs, que induziu os homens a pensarem que sua vida cultural-sacramental dependia de restos físicos do corpo de Cristo. Os portadores do culto da Cristandade, tanto o catolicismo ocidental quanto o oriental, mantiveram com razão o velho princípio de construir os altares sempre em forma de túmulo.
Mas foi um erro ater-se à prescrição de que no altar deveria haver sempre uma relíquia, fosse da própria vida terrena do Cristo, fosse de um santo a ele ligado. Esta ordem foi um retorno a tempos pré-cristãos em que só se podia cultivar a relação com o mundo espiritual à beira dos túmulos, onde repousavam os restos terrenos dos mortos.
A refutação de todo culto de relíquias é o Sepulcro Vazio. O sepulcro de José de Arimatéia não continha resto algum do corpo de Cristo quando na manhã da Páscoa, Pedro e João desceram na fenda escura.
O sepulcro vazio significa: Não olheis para o homem Jesus! Não estais diante do sepulcro de um grande e santo homem. Olhai para o Cristo! Ele é uma entidade cósmico-divina. Seu túmulo não é o sepulcro de José de Arimatéia, mas toda a terra.
As verdadeiras relíquias não são quaisquer restos dos acontecimentos físicos, pois estes só poderiam captar o estado pré-pascal dos fatos do Gólgota. O significado da vitória pascal é que, doravante, o corpo espiritual do Cristo, tecido de luz, poderá reluzir em tudo o que é terreno. Pão e vinho, sendo o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue do Cristo, são o medicamento da nova vida conquistada através da vitória pascal.
Neles, a homeopatia espiritual atravessa o mundo, tendo como portadores os homens ligados ao Cristo. A sabedoria do Cristianismo original em torno deste mistério, expresso, por exemplo, por Inácio de Antióquia, pode ser reconquistada em nossa época através do pensamento claro treinado pelas Ciências Naturais: pão e vinho são os medicamentos da imortalidade.
Os altares do sacramento renovado também têm a forma de um túmulo. E, quando as paróquias se reúnem em torno dos altares, sempre está presente o princípio do sábado da Aleluia. Somos os que esperam diante do santo túmulo. Sabemos que nosso altar não precisa abrigar relíquias. O medicamento está presente quando o Cristo está presente, no pão e no vinho. As arqui-imagens da mesa e do túmulo se interpenetram. E à mesa do Senhor podem novamente estar presentes os nossos mortos.
Aqueles que atravessam a morte após terem se ligado intimamente em vida ao novo sacramento indubitavelmente saberão achar este Santo Sepulcro, mais facilmente até do que achar seus próprios túmulos. As almas não mantêm mais relação intensiva com os corpos de que se despojaram. Mas, quando nos reunimos em torno do altar, eles podem estar conosco e assim reforçar nosso relacionamento com o mundo espiritual.
Os novos altares circundam-se com a mesma trama de arqui-imagens que envolvia o sepulcro nas redondezas das plantações do Monte Sion. Está sanado, aqui, o abismo entre este e aquele mundo e, invisivelmente, floresce o jardim pascal onde nossa alma, como Maria Madalena, pôde ver o Ressurreto como jardineiro de um novo mundo. De dentro para fora a escuridão saturnina é iluminada pelo sol pascal.
CORRESPONDÊNCIAS COM A ÉPOCA ATUAL
O drama da Semana Santa, com sua graduação planetária, possui significado em qualquer tempo. Em momentos cruciais de transformação na história da humanidade este drama adquire importância atual em todos os seus detalhes.
O que sucedeu em Jerusalém, historicamente, torna-se transparente para as arqui-imagens de validade eterna fundamental. Épocas inteiras podem reconhecer-se (no espelho desse drama). É o que sucede nos temporais apocalípticos da nossa época. Estamos atravessando uma Semana Santa em grande estilo.
A excitação e as comoções que agitam os povos, tanto as guerras quanto as que são sentidas apenas no íntimo das almas, têm sua origem apenas aparentemente no plano físico. Em realidade, elas nascem pelo ingresso poderoso, na existência terrena, de forças e entidades supra-sensíveis.
A nova vinda do Cristo é como uma grande e cósmica entrada em Jerusalém. A humanidade sente em surdina o advento ruidoso do mundo espiritual. Nos brados de guerra e de paz da atualidade traduzem-se, misturados, os “hosanas" e os “crucifique-o”. No entanto, estando as almas aprisionadas pelos hábitos materialistas, o grito de ódio prevalece amplamente sobre o canto de louvor.
Nitidamente revela-se ao nosso redor a lei da segunda-feira santa. A vida espiritual tradicional entra em crise. Não vemos acaso tanta coisa que ainda há pouco parecia em plena flor e alta estima agora com o aspecto de uma árvore seca? Muitos templos estão ruindo e só permanece o que é autêntico. Implacavelmente o sol do destino expõe à luz do dia o que está obsoleto ou degenerado.
As forças marcianas acendem os fachos do Apocalipse. Quem consegue penetrar além da superfície dos fenômenos, reconhece que, por trás das lutas externas são travadas lutas espirituais. A luta da luz contra as trevas é travada por sobre as cabeças dos homens e na terra existe um grande perigo: que mesmo aqueles que, se estivessem suficientemente acordados poderiam lutar pela luz, desertam também para o lado das trevas.
Não obstante, um pequeno grupo a serviço do sol espiritual pode ser vitorioso. A estes será dada como outrora aos discípulos no Monte das Oliveiras - o eco espiritual de seus esforços, a visão apocalíptica através da qual poderão reconhecer o de suas árduas lutas e sofrimentos.
Cada vez mais inequivocamente os homens são colocados diante de decisões íntimas: ou encontram o caminho que leva à atitude sacramental da plenitude anímica ou sofrerão a maldição da inquietude, da angústia, do nervosismo, que os precipitará no abismo da loucura. Devem escolher entre Maria Madalena e Judas.
Sob o peso do destino não existe quase mais ninguém que, ao menos por instantes, não tenha estado perto do mistério da quinta-feira santa, com sua luz de esperança para o futuro. A questão é apenas se a consciência se mantém firme, se desperta como a de João, se submerge no torpor do sono getsemânico, como Pedro, que renegou o Senhor, ou se até mesmo sucumbe ao demônio como a do Judas, que o traiu.
O verdadeiro mistério de nossa época consiste na renovada presença do Cristo entre os homens. É possível perseguir as igrejas cristãs, exterminar o Cristianismo; o Cristo, ele próprio, pode apenas ser novamente flagelado, coroado de espinhos e crucificado. Isto acontece não só por parte dos adversários como também por parte dos próprios cristãos.
Não surpreende que sol se cubra e os elementos se enfureçam. A ira de Deus flagela o mundo com o castigo de tempestades. Não obstante, o aspecto oculto, interior, de tudo isto é o infinito amor divino. O Cristo que é, ele próprio, o amor cósmico, morre mais uma vez para penetrar nesta terra, para salvação também daqueles que o perseguem e o crucificam.
Finalmente, toda a humanidade está esperando diante de um sepulcro. Começa a atual lei do sábado da Aleluia. As massas rochosas que mantêm sepultado o Cristo e, com ele a verdadeira imagem do homem, incluem não só as fabricas e os supermercados, mas também as igrejas. Tudo o que existe de enrijecido entre os homens é o próprio sepulcro rochoso.
Encontramo-nos na véspera de uma manhã pascal ou terão sido em vão todas as provações e os sofrimentos? Poder-se-ia pensar que a humanidade, em meio às catástrofes que ela própria provocou, esteja mais afastada do que nunca do mistério da Ressurreição.
Entretanto, naquela época também houve terremotos até na madrugada do domingo de Páscoa e, portanto, podemos esperar que nos tremores da terra e da alma que abalam nossa época também esteja o Anjo do Senhor, que afastará a pedra do sepulcro.
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