domingo, 30 de outubro de 2011

Uma escola do Vale do Silício que não computa - Por Matt Richtel

Publicado no The New York Times em 22 de outubro de 2011 (veja postagem anterior!)
Tradução pessoal...



LOS ALTOS, Califórnia - O diretor de tecnologia da eBay envia seus filhos a uma escola daqui de nove salas de aulas. Da mesma forma, assim o fazem outros funcionários de gigantes do Vale do Silício como Google, Apple, Yahoo e Hewlett-Packard.

Mas as ferramentas de ensino da escola em questão são tudo menos alta tecnologia: canetas e papel, agulhas de tricô e, ocasionalmente, lama. Nenhum computador pode ser encontrado. Eles não são permitidos na sala de aula, e escola ainda coloca restrições sobre seu uso em casa.

Escolas de todo os Estados Unidos da América têm suprido às pressas suas salas de aula com computadores, e muitos políticos dizem que são tolas aquelas que não o fazem. Mas o ponto de vista contrário pode ser encontrado no epicentro desta economia tecnológica, onde alguns pais e educadores têm uma mensagem: computadores e escolas não se misturam.

Esta é a escola Waldorf da Península, uma das cerca de 160 escolas Waldorf no país que com uma filosofia de ensino focada em atividade física e aprendizagem através de tarefas criativas e outras em que se põe a “mão na massa”. Aqueles que defendem essa abordagem dizem que os computadores inibem o pensamento criativo, o movimento, a interação humana e a atenção.

O método Waldorf tem quase um século de idade, mas sua presença aqui entre os digerati (pessoas que estão bem informadas sobre as tecnologias digitais) coloca em destaque crescente o debate sobre o papel dos computadores na educação.

"Eu fundamentalmente rejeito a ideia da necessidade de aparatos tecnológicos na escola primária", disse Alan Eagle, 50, cuja filha, Andie, é uma das 196 crianças na escola primária Waldorf; seu filho William, 13, está no ensino médio na mesma escola. "A idéia de que um aplicativo em um iPad pode ensinar melhor os meus filhos a ler ou fazer contas  é ridícula."

O senhor Eagle sabe um pouco sobre tecnologia. Ele graduou-se em ciência da computação pela Dartmouth e trabalha como executivo de comunicações da Google, onde ele escreveu discursos para o presidente, Eric E. Schmidt. Ele usa um iPad e um smartphone. Mas diz que sua filha, uma aluna da quinta série “não sabe usar o Google", e seu filho está apenas aprendendo. (A partir do oitavo ano, a escola aprova o uso limitado de alguns aparelhos.)

Três quartos dos alunos daqui têm os pais com uma forte conexão com a alta tecnologia. O senhor Eagle, como outros pais, não vê contradição. A tecnologia, diz ele, tem o seu tempo e lugar: "Se eu trabalhasse na Miramax e fizesse bons filmes destinados ao público adulto, eu não deixaria meus filhos vê-los antes de completarem os 17 anos."

Enquanto outras escolas na região se gabam de suas salas de aula modernas, a escola Waldorf abraça um olhar simples e inspirado no passado: quadros com giz colorido, estantes com enciclopédias, mesas de madeira cheias de cadernos e lápis número 2.

Em uma terça-feira recente, Andie Eagle e sua turma de quinta série exercitaram suas habilidades: cruzando agulhas de madeira com novelos de lã, tricotando pedaços de tecido. É uma atividade que a escola diz que ajuda a desenvolver a solução de problemas, padronização de competências, habilidades em matemática e a coordenação motora. O objetivo a longo prazo: fazer meias.

No corredor, uma professora lança desafios a alunos da terceira série em multiplicação, pedindo-lhes para fingir que seus corpos sejam relâmpagos. Ela lhes fez uma questão simples - quatro vezes cinco - e, em uníssono, gritaram "20" e rapidamente desenharam o número no quadro negro. Uma sala cheia de calculadoras humanas.

Na segunda série, os alunos de pé em um círculo aprendem habilidades de linguagem, repetindo versos depois do professor, enquanto brincam de pegar saquinhos contendo feijões (do tipo que usamos nos jogos de 5 Marias). É um exercício que visa sincronizar corpo e cérebro. Aqui, como em outras classes, o dia pode começar com uma recitação ou um verso sobre Deus que reflete uma ênfase não ligada a religiões sobre o divino.


 A Professora de Andie, Cathy Waheed, que é uma ex-engenheira de computação, tenta tornar o aprendizado tanto irresistível como altamente tátil. No ano passado, ela ensinou frações fazendo as crianças cortar alimentos - maçãs, quesadillas, bolo, - em quartos, metades e um dezesseis avos.

"Durante três semanas, nós “comemos” o nosso caminho através de frações", disse ela. "Quando eu fiz frações de bolo suficiente para alimentar a todos, você acha que eu tive atenção deles?"

Alguns especialistas em educação dizem que o impulso para equipar as salas com computadores é injustificado, porque os estudos não mostram claramente que isso leva a uma melhor pontuação em testes ou a outros ganhos mensuráveis.

E a aprendizagem através de frações de bolo e tricô é melhor? Os defensores da pedagogia Waldorf consideram difícil comparar, em parte porque as escolas privadas que administram não fazem os testes padronizados do ensino fundamental público. E eles seriam os primeiros a admitir que alunos mais novos podem não pontuar bem nos testes porque, dizem eles, não são orientados desde cedo a uma matemática padronizada ou forçados a ler muito cedo.

Quando perguntado sobre a evidência da eficácia das escolas, a Associação das Escolas Waldorf da América do Norte apontou uma pesquisa realizada por um grupo de filiados  que mostra que 94 % dos estudantes de ensino médio das escolas Waldorf nos Estados Unidos entre 1994 e 2004 frequentou a faculdade, com grande parte em instituições de prestígio como Oberlin, Vassar e Berkeley.

É claro que esse número pode não ser surpreendente, uma vez que esses são alunos de famílias que valorizam a educação o suficiente para procurar uma escola privada seletiva, e geralmente têm os meios para pagar por isso. E fica difícil separar os efeitos dos métodos de baixa tecnologia instrucional de outros fatores. Por exemplo: pais de alunos da escola de Los Altos dizem que ela atrai bons professores que passam por um treinamento intensivo na abordagem Waldorf, criando um forte senso de missão que pode estar faltando em outras escolas.


Na falta de evidências concretas, o debate se restringe à subjetividade, a escolha dos pais e uma diferença de opinião sobre uma simples palavra: engajamento. Defensores de equipar as escolas com tecnologia dizem que computadores podem prender a atenção dos alunos e, de fato, que os jovens que foram acostumados com os dispositivos eletrônicos não irão sintonizar sem eles.

Ann Flynn, diretor de tecnologia da educação para a Associação Nacional de Conselhos Escolares, que representa os conselhos escolares em todo o país, disse que os computadores são essenciais. "Se as escolas têm acesso às ferramentas e podem comprá-las mas não as estão usando, elas estão enganando nossos filhos", diz Flynn.

Paul Thomas, ex-professor e professor adjunto de educação da Universidade Furman, que já escreveu 12 livros sobre métodos de ensino público, discordou, dizendo que "uma abordagem criteriosa da tecnologia na sala de aula vai sempre beneficiar a aprendizagem."

"Ensinar é uma experiência humana", disse ele. "A tecnologia é uma simples distração quando precisamos é de alfabetização, matemática e pensamento crítico."

E os pais Waldorf argumentam que o envolvimento real vem de grandes mestres, com planos de aula interessantes.

"Engajamento trata de contato humano, o contato com o professor, o contato com seus pares", disse Pierre Laurent, 50, que trabalha em uma empresa que está surgindo de alta tecnologia e que anteriormente trabalhou na Intel e na Microsoft. Ele tem três filhos em escolas Waldorf, que tanto impressionou a família, que sua mulher Monica, juntou-se a uma como professora em 2006.

E para aqueles que defendem a lotação das salas de aula com tecnologia dizendo que as crianças precisam de um tempo com o computador para competir no mundo moderno, pais Waldorf respondem: Para que a pressa, considerando a facilidade para desenvolver essas habilidades?

"É super fácil. É como aprender a usar a pasta de dentes”, disse o senhor Eagle. "No Google e em todos os lugares produzimos a tecnologia de modo que ela seja muito simples de ser utilizada. Não há razão para que as crianças não possam aprender isso quando ficarem mais velhas."

Há também muitos pais ligados a alta tecnologia em uma escola Waldorf, em San Francisco e ao norte dela, na Escola Greenwood em Mill Valley, que não tem total conhecimento sobre a pedagogia Waldorf, mas sentem-se inspirados por seus princípios.

A Califórnia tem cerca de 40 escolas Waldorf, dando-lhe uma parcela desproporcional - talvez porque o movimento nasceu e cresceu aqui, disse Lucy Wurtz, que, junto com seu marido, Brad, ajudou a fundar a escola Waldorf de ensino médio em Los Altos, em 2007. O senhor Wurtz é o chefe executivo da Power Assure, que ajuda centros de dados computacionais a reduzirem seu consumo de energia.

Experimentar a escola Waldorf não sai barato: o custo anual no Vale do Silício é de      $17.750 (cerca de R$ 2.600,00/mês) para o jardim de infância até o oitavo ano e $24.400 dólares (cerca de R$ 3.600,00/mês) para o ensino médio, embora a Sra. Wurtz diga que seria possível uma assistência financeira. Ela diz que pais Waldorf típicos, que tem um amplo leque de escolas de elite públicas e privadas para escolher, tendem a ser liberais e de elevado nível educacional, com opiniões fortes sobre a educação, mas que possuem conhecimento e estão prontos para ensinar seus filhos sobre tecnologia a qual eles têm amplo acesso e suporte em casa.

Os estudantes, entretanto, dizem que não ignoram a tecnologia, nem a descartam. Andie Eagle e seus colegas de classe dizem que, ocasionalmente, assistem a filmes. Uma menina, cujo pai trabalha como engenheiro da Apple, diz que às vezes ele pede a ela para testar os jogos que ele está depurando. Um menino brinca com programas de simulador de vôo nos fins de semana.

Os estudantes dizem que podem se frustrar quando seus pais ou parentes ficam muito entretidos com seus telefones e outros dispositivos. Aurad Kamkar, 11, disse que recentemente foi visitar os primos e encontrou-os sentados jogando em seus aparelhos, não prestando atenção nele nem entre si. Ele começou agitar os braços para eles dizendo: "Olá pessoal, eu estou aqui."

Finn Heilig, 10, cujo pai trabalha no Google, disse que ele gosta de aprender com caneta e papel - ao invés de em um computador - porque ele pode monitorar seu progresso ao longo dos anos.

"Você pode olhar para trás e ver como sua caligrafia era desleixada no ensino fundamental. Você não pode fazer isso com computadores pois  todas as letras são as mesmas", disse Finn. "Além disso, se você aprender a escrever em papel, você ainda pode escrever se derramar água sobre o computador ou acabar a luz."

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